ESPAÇOES MAGICOS E CORRENTES

1. Introdução

O objetivo desse texto é chamar a atenção do leitor para o conceito de Espaço Mágico e suas consequências, conceito esse sob o ponto de vista da Umbanda Sagrada. Vale lembrar que existem milhares de formas diferentes de enxergar esse conceito, que varia de terreiro para terreiro, de ordem para ordem, de religião para religião.

O conceito do que é um Espaço Mágico é talvez um dos fundamentos mais importantes tanto para a religião quanto para a magia da Umbanda, pois é com ele que se garante com qual tipo de energia se vai trabalhar, o que pode entrar no Espaço, o que sai dele, que tipo de seres ele atrai, que tipo de trabalho pode-se realizar lá dentro. Alguns terreiros chamam o espaço mágico de corrente, outros de egrégora, mas seu conceito vai além desses dois últimos, como veremos no decorrer do texto.


2. Como se dá um trabalho de Umbanda

A Umbanda é uma religião mágico-mediúnica em que médiuns entram em contato com espíritos para que possam saber sobre como suas questões são vistas do ponto de vista dos espíritos. Caso algum dos problemas do consulente tenha origem em seu corpo espiritual ou em planos espirituais, tais espíritos podem ajudá-los a identificar e resolvê-los, valendo-se de oráculos (diversos tipos de mediunidade, búzios, tarot etc.) e magia (rituais, magia divina, pontos cantados, visualizações, orações etc.).

Para entender como o médium entra em contato com espíritos, precisamos entender que cada um de nós seres encarnados é uma alma, a qual possui/controla vários corpos, em planos diferentes. É como uma matrioska, ou as cascas de uma cebola, em que cada nível contém outro nível mais profundo; cada corpo está ligado a outro mais profundo, até chegar à essência, que é chamada de centelha divina na Umbanda Sagrada (U. S.).
Um desses corpos é o corpo físico, veículo pelo qual a alma se manifesta no plano material, esse mesmo plano que percebemos claramente quando estamos acordados.

Outro desses corpos é o corpo espiritual, que se situa no plano astral, que também é conhecido como plano espiritual. Nesse plano vivem muitos tipos de seres, como: Orixás, elementais, anjos, gênios e muitos outros. É nesse plano em que vivem os “espíritos”, que são os corpos de pessoas que já viveram aqui no plano físico, mas atualmente não controlam corpo algum por aqui.

Aqui reside um dos maiores segredos iniciáticos, dentro do meu ponto de vista, que é a resposta da pergunta: como podemos perceber nosso corpo espiritual? A resposta é simples: através da Vontade Inconsciente. A Vontade Inconsciente é o conjunto de nossos desejos mais íntimos, é a soma de todos nossos pensamentos e ações. Se queremos que nosso espírito faça algo, precisamos gastar tempo e energia pensando e trabalhando em prol daquilo.

Vamos supor que eu ore 1 hora todos os dias para que eu consiga comprar um carro. Chegará uma hora que meu espírito “ouvirá” e irá entender como “meu corpo físico realmente precisa de um carro, começarei a providenciar o que ele precisa para conseguir um”. Se eu passo várias horas por dia pensando mal de alguma pessoa, uma hora meu espírito irá entender como “meu corpo físico realmente quer se afastar daquela pessoa, começarei a tomar as providências para que isso aconteça”.

A grande questão é que, seja boa ou ruim, o corpo espiritual trabalha em prol de você conseguir a ideia em que você gasta mais tempo e energia (portanto, procure estabelecer suas prioridades e objetivos, não gaste o tempo de seu espírito buscando por futilidades).

A magia é uma língua que os espíritos nos transmitiram para que os espíritos possam entender com mais velocidade o que queremos. Dessa forma, estabelecemos uma intenção, fortalecemos nossa vontade e impregnamos um objeto mágico de energia, mostrando para nosso espírito que é por aquilo que estamos buscando no momento. Entenda que o espírito não é seu escravo, ele é você mesmo, em outro plano. Você daria ouvido para as mensagens que você manda para si mesmo?

O mais incrível é que magia funciona para a comunicação não só com seu próprio espírito, mas é possível se comunicar com outros seres do plano espiritual (é necessário ter seu “telefone” caso procure por um em específico). Mas note que citei a palavra ‘energia’ no processo mágico, que energia é essa?

Na Umbanda chamamos essa energia de Axé, que também é muito conhecida como ‘éter’, ou ‘luz astral’. Essa energia se situa em um plano que fica entre o plano material e o plano astral, que é conhecido como ‘plano etérico’, ‘mundo invertido’, ‘passagem dos mundos’, ‘umbral’ etc. Esse plano é muito parecido com o mundo material, porém é mais plástico, sinistro e sombrio. Esse plano foi muito bem retratado no filme ‘Silent Hill’ e na série ‘Stranger Things’.

Nesse plano ficam presos os espíritos de pessoas que morreram e não se desapegaram do mundo físico, aqueles que tinham muitos vícios por aqui ou que guardam muita raiva, ganância ou sede de vingança. Mas não há somente seres energeticamente ruins; todos nós, quando dormimos, transferimos nossa consciência para nosso corpo etérico, que pode ficar pairando perto do corpo físico, ou pode andar por esse plano. Há também os espíritos que descem do plano espiritual para amparar os seres que estão nesse plano, ou para fazer contato com aqueles que estão no plano físico.

Na Umbanda Sagrada há nomes para os grupos de espíritos que cumprem certas funções nesse plano. Os espíritos que passam a maior parte do tempo nesse plano, defendendo os indefesos e protegendo os portais de passagem entre os planos são os Exus e as Pombas-gira. Os espíritos encarregados pelo encaminhamento evolutivo dos espíritos que ficaram presos no Umbral, e pela cura das mazelas da alma são conhecidos como Pretos-velhos. Aqueles que são encarregados por disseminar o conhecimento espiritual são os Caboclos. Há os Baianos, são especialistas em desfazer magias negativas e quebrar demandas. Os Boiadeiros são aqueles que lidam com grandes grupos de espíritos, guiam as massas de pessoas assim como tocam uma boiada. Os Marinheiros são os trabalhadores incansáveis, que fazem todo esse sistema funcionar sem parar. Os Erês são os espíritos que trazem um pouco de energia pura do plano encantado, ótimos para ajudar pessoas que caíram no caos do Umbral a se levantarem. Chamamos de Ciganos ou Povo do Oriente os espíritos que lidam com religiões e magias estranhas ao período inicial do Brasil. Claro que a função dessas falanges não se restringe a isso, há muito mais. Mas para uma noção inicial essa descrição é suficiente.

A grande questão que precisa ser entendida é que esses seres saem do plano astral, entram nesse plano de passagem, que é totalmente caótico, para ajudarem aqueles que estão presos por essas regiões. Excetuando-se os Exus e Pombas-gira, os espíritos da Umbanda, ao entrarem nessa região de caos, criam bolhas de proteção em que se tem ordem e harmonia, onde eles conseguem fazer seus trabalhos e ajudar os necessitados. Quando ouvimos que um espírito é dito ‘quimbandeiro’ ou que ele ‘vira de banda à noite’ significa que ele também costuma fazer trabalhos fora do espaço mágico.



***A imagem acima é meramente esquemática.

Como vocês podem ver na representação, os círculos azuis com interior branco são o que chamamos de ‘Espaços Mágicos’, que são regiões organizadas e harmoniosas que conseguem se isolar do caos que existe no plano de passagem. Do lado de fora desses espaços mágicos ficam os Exus e as Pombas-Gira, que protegem os trabalhos espirituais de ‘ataques externos’. A cor azul não foi escolhida ao acaso, e sim por representar a força de Yemanjá, que nos guarda como filhos em seu útero quando estamos em um trabalho espiritual. Na Kabbalah, diz-se que a Grande Mãe Primordial (Binah) nos guarda, em sua barriga, dos perigos do Caos Primordial (Hockmah).

Quando se cria um Espaço Mágico, sua força de proteção é tão rígida quanto sua lei. Através de uma lei, espíritos e seres se unem por uma afinidade energética (quando todos ali têm o mesmo intuito) e criam uma mega aura (uma somatória de auras), que são as correntes ou egrégoras. As correntes são espaços mágicos formados pela união de dois ou mais seres em prol de uma causa comum. Sem essa vontade comum, sem essa fé comum, não há harmonia energética, criando ‘bolhas’ fracas e ineficazes.

Na Umbanda chama-se de ‘dirigentes’ ou ‘pais/mães-de-santo’ as pessoas que são responsáveis por organizar os grupos e por manter o cumprimento da lei, para que as pessoas consigam se firmar dentro da corrente, sem ficar nadando ou se perdendo em meio ao caos.

Já os Médiuns são os responsáveis por transferirem suas consciências para o corpo etérico (o que é chamado de estado alterado de consciência), para que os espíritos que desceram para as bolhas possam usá-los como canal de comunicação entre eles e nosso mundo. Muitos dirigentes trabalham também como médiuns após a estabilização do espaço mágico.

A Curimba tem papel fundamental nesse processo, pois, através dos pontos cantados, sintoniza o padrão vibratório dos médiuns para que eles tenham sucesso em entrar nas bolhas certas para fazerem contato com os espíritos corretos. Muitos magos e teósofos criticam trabalhos mediúnicos por falarem que ‘não se consegue saber quais são os espíritos com quem fazemos contato’, mas o entendimento dos fundamentos da Curimba nos dá ferramentas para escolhermos, com precisão, as falanges com que vamos nos conectar.

Esse é o motivo pelo qual é tão importante seguir os preceitos e a lei da casa que se frequenta. Não interessa se outro pai de santo disse uma coisa, se um grupo espírita disse outra, se a mestra de reiki disse outra, se você não seguir os preceitos da sua casa, não conseguirá se sintonizar na energia correta e irá nadar no caos durante os rituais. Isso é popularmente chamado de ‘misturar correntes’.

Se você saiu de uma casa em que se tomava banho com uma erva x antes do ritual, e na sua nova casa se pede para tomar banho com uma erva y, não importa o quão experiente você seja, se você usar a erva x, você estará sintonizado na corrente errada. Os banhos preparatórios, assim como os preceitos (não comer carne ou pimenta, não manifestar seus vícios por um período antes do trabalho– cigarro, bebida, sexo, jogos), são fundamentais para que se esteja no mínimo de conexão energética para um trabalho.

O mesmo vale para a doutrina seguida, pois a doutrina é o que regula o padrão energético dos pensamentos dos médiuns (o que é essencial no momento da conexão). Cada casa deve ter sua doutrina bem clara, para que os frequentadores saibam com que energia/entidades estão lidando. A doutrina judaica é diferente da cristã, que é diferente da espírita, que é diferente da candomblecista, que é diferente da umbandista. Cada uma dessas doutrinas cria suas próprias correntes, e é fazendo os preceitos e rituais, assim como reformando-se intimamente, que se consegue melhorar cada vez mais a conexão com cada uma delas. Entenda, o ritual, a doutrina e os preceitos da Umbanda foram criados para elevar as pessoas à frequência das egrégoras da Umbanda. O ritual, a doutrina e os preceitos do espiritismo foram criados para elevar as pessoas à frequência das egrégoras do Espiritismo. Apesar de haver semelhanças, as diferenças levam a lugares diferentes, misturar, sem consciência, leva ao caos, e a pessoa não consegue se conectar bem com nenhuma das duas correntes.

Isso não significa que não se possa estudar ou aprender outras doutrinas, mas o processo de comparação e posterior mistura dos ensinamentos só é bem feito depois de um longo período de maturidade e compreensão dos objetivos da casa.

3. Como são criados os Espaços Mágicos (E. M.)

Vamos primeiro entender como são criados os microespaços, depois expandiremos nossa visão para os macro. Os microespaços, diferentemente das egrégoras, podem ser criados por uma só pessoa.

Na realidade, quem de fato constrói tal espaço é o espírito da pessoa, portanto, é preciso que nos comuniquemos com ele para que saiba que tipo de E.M. queremos. Como foi dito, há duas formas de mandarmos essa mensagem ao espírito: através de intensa repetição ou da magia.

A repetição é o grande segredo dos(as) benzedeiros(as) e beatos(as). São pessoas que passam muito tempo orando, orando e orando, clamando pela ajuda das forças do Pai Criador. Depois de investirem muito tempo nisso, o espaço mágico começa a ser formado sobre seu espaço de orações, e ali começam a realizar trabalhos de cura e até mesmo ‘milagres’. Há aqueles que se utilizam, além das orações, de magias, como vou explicar a seguir.

Magia, dentro do ponto de vista da U.S., é uma forma direta para se criar espaços mágicos. O primeiro passo de qualquer ato mágico é firmar a intenção de tal ato; essa intenção é analisada pelos guardiões dos portais do umbral, que é Omolu (Luison, Pantera Negra, Cérbero, Anúbis etc.) e os Exus e Pombas-Gira (por isso se acende o triângulo de velas branca, vermelha e preta). Caso haja aprovação dos guardiões de alguma egrégora (caso seu ato esteja em concordância com a lei, caso você tenha autorização/iniciação para fazer tal ato), eles encaminharão a mensagem aos espíritos (inclusive o seu) que passarão a te auxiliar na magia. Caso não haja aprovação, na melhor das hipóteses você estará apenas brincando de teatro; na pior, você se conectará com egrégoras que trabalham fora da Lei (e provavelmente tomarão uma surra do pai Omolu de brinde). Se estiver em dúvidas a respeito da autorização, pergunte a um oráculo (entidade incorporada, búzios, tarot etc.).

***Lembrete: pai Omolu e pai Obaluayê são Orixás diferentes dentro do sistema da Umbanda Sagrada, mais pra frente estudaremos essas diferenças.

Uma vez que a intenção foi aceita e autorizada, é necessário estabelecer o alcance do seu trabalho. Para isso, visualize um círculo mágico envolvendo todo o espaço e todas as pessoas que você quer que sejam afetados pelo seu ato mágico. Esse círculo é o que vai criar o E.M. de fato. Na Umbanda as entidades fazem esse círculo ao traçarem seus pontos riscados dentro do círculo (cabalas). Não é a intenção desse artigo discutir as formas de se fazer magia, mas apenas o fundamento do seu alcance e seu apoio.

No caso dos benzedeiros e beatos, normalmente pede-se diretamente para Jesus Cristo, mas, conheci alguns que conheciam o sincretismo Orixá/Cristão e se utilizavam de São Lázaro para fazer o pedido. Na realidade, a Cruz carregada pelo Jesus católico é um antigo símbolo pagão do guardião desses portais, então aqui pode-se usar a imagem de Jesus pregado na cruz que vai funcionar melhor.

Para que o E.M. tenha força é preciso alimentá-lo, e o elemento mais utilizado desde sempre para esse propósito é o fogo. Por isso se usa tanta vela, tanto em terreiros como em grupos de bruxaria, quanto em casas de benzedeiros, capelas, igrejas etc.

Para ativar ou acelerar a atuação do E.M. e seus assentamentos (objetos dedicados à sustentação mágica do E.M.), normalmente utiliza-se o elemento ar, através de defumações, incensos, sopros, cantos, mantras etc.

Para limpar um E.M. de energias intrusas e sem afinidade, utiliza-se o elemento água, como em limpezas, água lustral, banhos, perfumes etc.

Para assentar um E.M. precisamos do elemento terra, principalmente a parte mineral, que é encontrado em pedras, imagens, instrumentos, altares, paredes do templo, pembas, guias etc. Assentar um E.M. é o grande segredo para a criação de macroespaços, pois dedica-se um espaço físico somente para a finalidade de alimentar o E.M. constantemente, tornando-o muito poderoso, capaz de proteger grandes grupos de pessoas em trabalhos espirituais.

Quando um Espaço Mágico é suficientemente forte e estável, os espíritos que ali trabalham começam a trazer outros seres, pessoas e espíritos para se ligarem ali, dando a eles a oportunidade de trabalharem sob a proteção de outrem. É altamente recomendado que médiuns sem iniciação na magia (ou seja, sem a capacidade de criarem seus próprios espaços mágicos) façam suas atividades apenas dentro do templo, pois, caso contrário, trabalharão em meio ao caos e colocarão sua sanidade mental (e dos assistidos) em risco.
Uma grande ferramenta utilizada por egrégoras é o Símbolo. O símbolo é uma imagem cujos significados resumem os principais objetivos de um grupo que trabalha dentro de um E. M. É excelente para direcionar a energia mental dos membros para a grande aura, alimentando-a e fortalecendo-a com precisão.

4. Níveis de uma egrégora

Mais uma vez como as cascas de uma cebola, toda egrégora é organizada e hierarquizada por níveis, que guardam relação com os cargos e iniciações ligados à ela. Os níveis mais internos são mais puros e exigem da pessoa que quer entrar lá um alinhamento mais profundo entre suas ideias e energias com os ideais da egrégora.

Há grupos que classificam como exotérico tudo aquilo que se liga ao nível mais externo da egrégora, e esotérico o que está nos níveis internos. Suponhamos uma gira de assistência. As pessoas que são aptas a abrir uma gira normalmente têm acesso a partes profundas da egrégora. Já os médiuns varia, os mais experientes e/ou esforçados também conseguem agir profundamente, enquanto os mais novos e relaxados ficam nos níveis superficiais ou nem mesmo conseguem se conectar. Os consulentes são levados (em consciência), enquanto são atendidos, ao nível mais externo, onde são atendidos e recebem tratamentos/conhecimentos.

Podem haver muitos outros tipos de níveis e organizações, o importante para nós agora é termos a noção de que na Umbanda existe organização e hierarquia. O médium conseguirá se conectar profundamente a uma egrégora de forma proporcional à sua capacidade de sintonizar sua energia à essência e aos objetivos do grupo.


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